* Ricardo Madrona e Luiz Felipe Noronha
Dentro de poucos meses o projeto de lei que introduzirá o novo Código de Mineração deverá ser enviado à apreciação do Congresso Nacional, conforme estima o Ministério das Minas e Energia (MME). O novo Código substituirá a lei atualmente vigente, que regulamenta o setor (Decreto-lei nº 227/1967), e tem por principais objetivos desburocratizar os procedimentos relacionados às concessões de alvarás e autorizações de pesquisa e exploração mineral, bem como aumentar o efetivo poder fiscalizatório e de controle por parte dos órgãos públicos responsáveis sobre tais atividades.
A introdução do novo marco regulatório do Direito Minerário no Brasil sobrevém em um momento de grandes expectativas com relação ao desenvolvimento do setor. No ano de 2010, a exportação de produtos minerários correspondeu a cerca de 25% da totalidade das exportações brasileiras, inclusive em virtude da alta de quase 100% no preço do minério de ferro no período, em resultado da forte demanda chinesa. Ainda, conforme o Plano Nacional de Mineração 2030, lançado pelo MME no início do mês de fevereiro, estima-se que os investimentos no setor deverão somar US$ 350 bilhões pelos próximos 20 anos, dos quais aproximadamente US$ 64,8 bilhões serão realizados entre os anos de 2011 e 2015, incluindo-se nesse montante os investimentos em logística e na infraestrutura necessária à exploração e comercialização dos minérios.
Esse cenário otimista com relação às perspectivas para o setor no futuro, apoiadas inclusive na expectativa de que a demanda internacional continue crescendo a partir deste ano, em um contexto pós-crise e de retomada do crescimento econômico mundial, levantam uma série de questões acerca da regulação aplicável às atividades minerárias, inclusive no que se refere à forma como as receitas que serão auferidas em decorrência da exploração mineral deverão ser repartidas.
Conforme os termos da legislação atualmente vigente, os entes federativos fazem jus ao recebimento da CFEM – Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (correspondente aos royalties devidos em virtude das atividades de exploração minerária), calculada por meio da aplicação de um percentual médio de 2% sobre o valor do faturamento líquido resultante da venda do produto mineral, obtido após a última etapa do processo de beneficiamento adotado e antes de sua transformação industrial.
Mediante a aplicação de tal percentual, que é variável em conformidade ao tipo de minério explorado, chega-se ao valor da CFEM, que é posteriormente distribuída aos entes federativos na proporção de 12% para a União, 23% para os Estados e 65% para os Municípios. Ainda entra no cálculo dos royalties devidos pelas mineradoras o valor pago ao proprietário da superfície (50% do valor da CFEM).
A discussão quanto à alteração do percentual e do modo de apuração da CFEM já é bastante antiga, mas o debate tem tomado maiores proporções recentemente em virtude do crescimento verificado nos lucros das empresas exploradoras de recursos minerais, bem como das propostas para alteração praticamente integral do marco regulador da mineração.
As maiores demandas nesse sentido estão sendo realizadas por parte dos Estados e Municípios que abrigam projetos minerários, e que partem sempre da noção de que os royalties da mineração no Brasil são substancialmente inferiores aos valores cobrados em demais países exploradores. Ainda são mencionados os relevantes impactos ambientais e urbanísticos que minas e lavras causam nas regiões em que se localizam, sem que tais Estados e Municípios recebam uma compensação adequada, bem como as comparações com os valores recebidos a título de royalties do petróleo por parte dos municípios exploradores, muito maiores do que os royalties da mineração.
Nesse contexto, encontra-se atualmente sob análise a propositura de projetos de lei que buscarão alcançar uma forma mais equânime para a divisão das receitas auferidas em virtude da exploração mineral. Dentre as alterações propostas, destacam-se as que vão no sentido de (i) dobrar o percentual da CFEM aplicável a cada minério, (ii) prever que o cálculo da CFEM seja feito com base no faturamento (receita bruta) das mineradoras, e não sobre a receita líquida, nos moldes do que hoje ocorre em relação aos royalties do petróleo, e (iii) alterar a distribuição dos royalties entre os entes federativos, inclusive para beneficiar os municípios localizados no entorno das minas, que hoje não fazem jus ao recebimento de qualquer valor.
As mineradoras, por sua vez, têm se mostrado bastante resistentes com relação ao aumento dos royalties, especialmente considerando-se o alto nível de oneração das atividades minerárias exercidas no Brasil. Conforme estudo encomendado pelo Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) à consultoria Ernst & Young, a carga tributária incidente sobre as atividades minerais no Brasil é uma das três maiores do mundo, o que, por si só, já demonstra que as mineradoras contribuem aos cofres públicos com valores que em muito excedem aqueles pagos a título de royalties.
Entre as causas para tal nível de oneração das atividades minerárias no Brasil encontram-se, entre outros, o excesso de tributos e de obrigações acessórias, o alto custo trabalhista (cerca de 63% sobre a folha de salários), e os poucos competitivos benefícios fiscais de depreciação, amortização e exaustão em comparação com alguns dos maiores produtores de minérios.
Ainda no entendimento do IBRAM as comparações da CFEM com os royalties do petróleo seriam descabidas, uma vez que o setor de óleo e gás conta com uma série de benefícios fiscais de redução/suspensão de tributos incidentes sobre a importação de insumos, e com um regime de substituição tributária inexistente na mineração. Além disso, diferenças substanciais no que se refere aos mercadores consumidores e à fixação de preço de venda das commodities, adicionados a fatores logísticos e estruturais que cumprem um papel importante na instalação de projetos minerários, deverão ser considerados para que quaisquer propostas de equiparação da metodologia de cálculo dos royalties venham a prosperar.
Não obstante as diversas demandas realizadas quanto às alterações no método de cálculo da CFEM, o MME já se manifestou no sentido de que uma eventual alteração na sistemática de apuração dos royalties não será contemplada no novo Código de Mineração, e sim em uma norma em separado.
Para tanto, estão sendo analisados os encargos fiscais que incidem sobre as atividades de mineração no Brasil, para que uma eventual reforma no método de cálculo dos royalties da mineração não prejudique a competitividade da indústria minerária nacional e de seus produtos tanto no mercado interno quanto no exterior, inclusive como forma de garantir o equilíbrio da balança comercial brasileira, considerando-se que os produtos minerários constituem uma parcela muito relevante de nossas exportações.
Uma alternativa que vem sendo discutida para que se chegue a um equilíbrio entre os interesses dos entes federativos que se beneficiam do pagamento da CFEM e das mineradoras vai no sentido de alterar a sistemática para o cálculo dos royalties devidos sobre minérios que tenham passado por um processo de industrialização ou beneficiamento.
Em tal hipótese, a alíquota incidente sobre o minério beneficiado seria reduzida, em comparação àquela aplicável ao minério bruto, o que consequentemente estimularia o desenvolvimento do setor siderúrgico e metalúrgico. Tal proposta vai de encontro com a intenção de se fazer com que o Brasil não se posicione apenas como um mero exportador de commodities e passe a se destacar também como produtor e exportador de produtos minerais industrializados, que estimulem o desenvolvimento de setores estratégicos da economia.
* Ricardo Madrona é sócio fundador do Madrona Hong Mazzuco Sociedade de Advogados e Luiz Felipe Noronha é advogado do mesmo escritório.
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